História da água em Taubaté – Parte 2

4
Share

Contrato

O contrato proposto foi aceito pela Câmara após algumas modificações . A Câmara realizou uma concorrência chamando para isto demais interessados (neste ponto não encontramos referência nominal aos demais pretendentes) . O escolhido foi Fernando de Mattos . Previa-se o abastecimento canalizado de todo o centro da cidade com a efetivação de ligações domiciliares chamadas de “pena de água”. Na verdade pena de água consistia numa ligação derivada da rede principal com a abertura de um orifício nesta última que permitisse a passagem de um volume máximo diário. No caso este volume seria de não menos de 400 litros e seria pago a razão de Rs5.000$000 (cinco mil réis por mês). Também poderia ser fornecida meia pena àquelas casas que provassem ter renda inferior a Rs 10.000$000 (dez mil réis ) mensais. Teriam gratuidade as instituições municipais , os hospitais e os hidrantes. Também seriam colocados quatro chafarizes ou “borne fontaine” em pontos pré determinados além de serem mantidos aqueles que já haviam. A Câmara pagaria a Fernando de Matos, a título de subsídio, a quantia de Rs150:000$000 (cento e cinqüenta contos de réis). O contrato previa incentivos fiscais, com descontos em pagamentos de impostos aqueles que tivessem seus imóveis conectados a rede de água. O Contrato foi renegociado por diversas vezes sendo assinado em sua versão final em18 de setembro de 1888 com a concessão do privilégio de abastecimento de água neste municipio por cinquenta anos.

Projeto

A proposta inicial de Fernando de Matos era abastecer a cidade a partir do rio Itaim e o contrato original fora assinado com essa premissa. Porém, fruto de deliberação posterior da Câmara, teve que mudar seus projetos e canalizar águas provindas da conhecida Serra do Poço Grande, contrafortes da Serra da Mantiqueira. Naquela época já havia uma recomendação das autoridades sanitárias da Província para que as águas destinadas ao abastecimento público fossem captadas entre as “águas altas e protegidas”, em funçào das epidemias que atingiam várias cidades da provincia.

Rio Itaim em 2012. Foto: Fabiana Pazzine/Almanaque Urupês
Rio Itaim em 2012. Foto: Fabiana Pazzine/Almanaque Urupês

Esta prática repetiu-se em diversas cidades do Vale do Paraíba que fixaram suas primeiras captações em fontes na Serra do Mar ou da Mantiqueira (Taubaté , Pindamonhangaba, Guaratinguetá) . Lembramos que o local escolhido (Serra do Poço Grande) tratava-se daquele estudado em 1867 pelo engenheiro Dorwuffbein que estimara os serviços em Rs300:000$000 (trezentos contos de réis). Fernando de Mattos que a principio receberia da Câmara subsídios de Rs150:000$000 tratou de refazer suas contas e solicitou um adicional de Rs.50:000$000 passando a um total de Rs200:000$000 . Argumentou que o serviço não ficaria por menos de 500:000$000(quinhentos contos de réis) quantia que não poderia suportar sem o subsídio da Câmara. Fernando de Matos escolheu no Ribeirão do Chaveco , na citada serra, o seu ponto de captação . Apresentou projeto á Câmara com detalhes da construção. A área em questão pertencia a Viscondessa de Palmeira, de Pindamonhangaba, que em documento enviado á Câmara em 21 de Setembro de 1888 cedeu o seu uso. O projeto consistia na captação numa represa a ser construída no Ribeirão do Chaveco, transporte por tubulação fechada (chamada de adutora da serra ) transposição do Rio Paraíba do Sul com a canalização assentada em seu leito (chamado de trecho sub fluvial), transposição da várzea do Paraíba até o platô do Bairro da Estiva, hoje local da Vila Edmundo, passagem subterrânea pela Estrada de Ferro D. Pedro II (Central do Brasil) e chegada ao reservatório que seria construído nas terras chamadas de Boa Vista
(Estas terras foram doadas pela Prefeitura à Companhia Norte Paulista e faziam divisas com propriedades de Fernando de Mattos naquele local, ficando conhecida depois como Chácara da Caixa da Água , local onde funciona hoje a Sabesp e ainda se encontra o reservatório construído por Fernando de Mattos há mais de 110 anos). Deste reservatório seria construída uma rede de distribuição para a cidade. O comprimento da adutora entre a represa do Chaveco e o reservatório era de aproximadamente 16 Km.

Obras

 Nos anos seguintes Fernando de Matos iniciou e executou os serviços propostos entre muitos percalços face as dificuldades da obra. Grande parte dos materiais foram importados e houve dificuldade e atraso no seu transporte para o Brasil , bem como enorme burocracia na liberação quando armazenados no porto do Rio de Janeiro muito embora Fernando de Matos houvesse conseguido isenção de taxas de importação para os mesmos. O contrato original foi assinado por Fernando de Matos que em seguida , provavelmente em busca de recursos financeiros , associou-se a outros empreendedores. Em 1.888 formou então a firma Fernando de Matos e Cia., a seguir associou-se ao Engº Joseph Bryan, Gerente da Companhia Cantareira responsável pelas obras de saneamento da cidade de São Paulo, e finalmente em 1891 fundou a Companhia Norte Paulista que permaneceu como titular dos serviços até a sua venda em 1.916. A Câmara Municipal nomeou como fiscal dos serviços o Sr. Mathias Guimarães. Os materiais foram transportados do Porto do Rio de Janeiro pela Estrada de Ferro D. Pedro II até a cidade de Cachoeira Paulista. Desta cidade seguiam para Taubaté via transporte fluvial efetuado pela Companhia de Navegação do Paraíba até o ponto em que seriam aplicados. Além desta vantagem eliminava-se troca de vagões necessária visto que o trecho Rio-Cachoeira Paulista era de bitola larga e dali até São Pulo era bitola estreita. Em que pese as dificuldades enfrentadas a Companhia Norte Paulista conseguiu executar as obras e a 1º de julho de 1893 o abastecimento de água potável era uma realidade em Taubaté .

Porto do Rio de Janeiro
Porto do Rio de Janeiro

Companhia Norte Paulista

Fernando de Mattos era, sem a menor dúvida, um grande empreendedor . Merecia muito respeito e credibilidade na cidade de Taubaté e, mesmo na Província de são Paulo

Para realizar sua obra maior, o abastecimento de água de Taubaté, formou a Companhia Norte Paulista com o concurso de grandes empresários, fazendeiros e comerciantes da época. Podemos citar alguns acionistas de sua Companhia: Félix Guisard, José Benedito Marcondes de Mattos, Rodrigo Nazareth, Virgílio Cabral e José Francisco Monteiro Filho. Este último merece citação especial pois ocupou durante vários anos o cargo de Presidente daquela Companhia. Era filho de José Francisco Monteiro, Barão e Visconde de Tremembé. Fernando de Mattos era sobrinho do visconde e portanto primo de seu filho. O Dr. Monteiro, como era conhecido seu primo, médico, literato, foi homem de imensa filantropia e dedicação a Taubaté. Falecido jovem, em 1904, Fernando de Mattos dedicou extrema amizade e carinho por ele embora tivesse sérios atritos com seu pai, o Visconde. O Dr. Monteiro manteve o apoio a Fernando de Matos nos mais decisivos momentos de sua vida sendo mesmo um dos pilares de sustentação de sua obra. O problema da falta de água na cidade como já dissemos era seríssimo. A população esperava que a obra de Fernando de Mattos resolvesse a situação imediatamente após sua conclusão. O clamor público era enorme. Na verdade não foi bem isto que aconteceu. Os problemas eram muitos. Devemos frisar que as experiências deste tipo de obra eram desconhecidas no Brasil. Praticamente inexistiam. Não havia parâmetros práticos, apenas teoria. A tubulação ou canalização da Serra rompia com freqüência principalmente nos trechos sob o Rio Paraíba e naqueles implantados na sua várzea que também eram inundadas durante boa parte do ano (este problema só foi solucionado após a construção, pelo atual DAEE , dos diques de Quiririm). A qualidade da água, que não passava por nenhum tratamento, estava sujeita a inúmeros fatores como sólidos em suspensão causada pelas chuvas na área de captação, infiltrações nas juntas e curvas (executadas em canaletas de alvenaria e concreto).

Felix Guisard retratado por Gaspar Falco. Acervo DMPAH
Felix Guisard, um dos acionistas da Cia Norte Paulista, retratado por Gaspar Falco. Acervo DMPAH

A manutenção da quantidade (vazão) outro grave problema face aos vazamentos nas redes de distribuição, desperdício na utilização dos chafarizes, além das constantes manutenções necessárias. Atos de vandalismo como constantes roubos das tubulações eram constantemente praticados. Junte-se a isto as dificuldades financeiras em cumprir os compromissos assumidos, a inadimplência de parte dos consumidores, as querelas judiciais em função das disputas políticas

Fernando de Matos pensa em desistir. Em 12 de julho de 1895 publica um anuncio no Jornal “O POVO” colocando a venda suas ações da Companhia, sempre fora o sócio majoritário,e todas as suas propriedades alegando uma pretensa mudança para os Estados Unidos da América. Publica também vários artigos em que amargamente reclama da falta de apoio dos taubateanos em geral e da Câmara da época que, segundo ele, só fazem colocar obstáculos e cobrar resultados parecendo não entender a importância do abastecimento para a cidade e chegando mesmo a torcer pelo seu insucesso.
Merce das crises Fernando de Mattos continua sua obra e consegue melhorar os serviços a despeito de todas as diversidades . A visita a cidade por inúmeras autoridades sanitárias do país atestam a excelência do abastecimento construído por Fernando de Matos .

Fernando de Matos contou em sua empreitada com o inestimável colaboração do Eng.º Luís Itálico Bocco. Nascido em Turim (Itália), Luís Bocco estudou em Paris e, vindo para o Brasil, radicou-se em Taubaté onde constituiu família. Trabalhou com Fernando de Matos a partir da implantação das obras do abastecimento de água nesta cidade ingressando na Companhia Norte Paulista onde ocupou cargo na diretoria. Após a venda desta Companhia em 1916, convidado, foi trabalhar na prefeitura de Pindamonhangaba tendo sido mesmo o precursor do abastecimento de água daquela cidade sendo responsável pelo conhecido sistema do Trabiju. Luís Bocco deixou imensa contribuição a nossa cidade sendo merecedor de reconhecimento até agora não recebido.

A política

Gastão da Câmara Leal, acervo Almanaque Urupês

A partir da primeira década do inicio do século Fernando de Matos envolve-se cada vez mais com a política. Membro do Partido Republicano do qual era o chefe em meados de 1905 sofre ferrenha oposição de seus desafetos, dentre eles a família Oliveira Costa. Durante o governo de Gastão Câmara Leal 1907-1915 são inúmeros os confrontos. chega mesmo a sofrer intervenção na Companhia norte Paulista, cuja desapropriação a Câmara autoriza ao prefeito, em função da alegada má qualidade de água. Coloca a firma á venda em diversas oportunidades por preços aquém de seu real valor.Ao final rende-se a realidade e em 1º de Setembro de 1916 vende a Companhia Norte Paulista à Câmara Municipal de Taubaté por aviltantes RS420:000$000 (quatrocentos e vinte contos de réis). A luta de Fernando de Matos fora imensa e intensa. Mas isso fica para depois.

Bibliografia: Atas da Câmara de Taubaté – Felix Guisard Filho;
Jornais da Época;
Depoimentos: Oswaldo Carneiro, Brant de Mattos;
Colaboração Especial: Profa. Lia Carolina Prado Alves Mariotto.
Paulo Ernesto Marques Silva : Engenheiro Civil e pós-graduado em Engenharia de Recursos Hídricos e Gerenciamento de Serviços Públicos .

Veja também:

– Fernando de Mattos e o início do abastecimento de água em Taubaté

Related Posts
4 Comments
Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *