CADERNO NOVO

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Caderno Novo? Sim, Caderno Novo. Estamos iniciando mais um ano letivo e muita gente está abrindo os seus cadernos novos para começar o ano. Sim, não é só aluno que tem caderno. Professores, gestores, coordenadores, pesquisadores também usam cadernos e inauguram cadernos novos todos os anos.

Assim, Caderno Novo não é novidade, todo ano tem. Mas porque ele é um assunto digno de ser tratado numa coluna? Por dois motivos. Afinal, vocês sabem, na História nunca é um motivo só. Bem, o primeiro motivo é porque como todos nós invariavelmente já tivemos esse tipo de objeto ao mesmo tempo corriqueiro, banal e de desejo, ele já foi tratado por escritores de renome como Luís Fernando Veríssimo e Moacyr Scliar. O segundo é porque, ele assume uma dimensão metafórica bastante significativa.

Em sua crônica intitulada exatamente com essa expressão, “Caderno Novo”, Veríssimo aborda a sensação afirmando que, dentre as diversas possibilidades a do caderno novo ganha inclusive das menos publicáveis como a melhor sensação do mundo, evocando lembranças escolares: “a sensação de abrir um caderno novo, no primeiro dia da escola, e alisar com a ponta dos dedos a página vazia, sentindo o volume de todas as páginas vazias por trás dela, aquele mundo de coisas ainda não escritas… E o cheiro do caderno!”

verissimo

Pois é, até o cheiro do caderno novo provoca nossos sentidos. Veríssimo continua sua crônica dizendo que: “O caderno novo também nos provoca uma certa solenidade, lembra? Diante da limpeza, fazíamos um juramento silencioso que aquele ano seríamos alunos perfeitos. E realmente caprichávamos ao preencher o caderno novo com cuidado respeitoso. Pelo menos até a quarta página, quando então, voltávamos a ser os mesmos relaxados do ano anterior. Mesmo porque, o caderno não era mais novo.”

Esse texto foi escrito em 1988, mas ele ainda é bem atual, não é? Essa sensação e essa prática são renovadas todo ano, sempre uma novidade.

Hoje com o consumismo, não basta o caderno ser novo também tem que ter essa ou aquela capa. A modernidade líquida estudada por Bauman, que trata da velocidade, do consumo rápido, superficial e sem culpa; o hiperconsumo individualizado dos celulares, ipads, máquinas fotográficas e etc ainda não foram capazes de apagar ou mesmo de substituir o caderno. Muita gente fala do fim dos livros na era digital dos e-books e dos tablets, mas vejo poucos escritores e intelectuais falando do fim dos cadernos. Na verdade, podemos dizer até que eles estão ainda mais banalizados, pois atualmente se encontra caderno para comprar até em supermercado.

caderno

Peço desculpas pelo tom professoral deste texto, mas achei que deveríamos começar o ano com uma reflexão sobre o seu sentido e confesso que eu tenho, até hoje, a prática de no início de cada ano comprar cadernos novos que serão usados durante o ano para anotações das minhas atividades. O caderno, meus amigos, também é uma forma de registro. Para a História da Educação ele é um documento tão rico e ao mesmo tempo tão difícil de ser encontrado em arquivos públicos, pois é do foro privado, íntimo das pessoas e, o grande paradoxo que ele encerra é de ser tão importante e descartável. Apesar de toda a pompa, de toda a solenidade, a maioria das pessoas ainda joga fora os seus cadernos no final do ano.

Sobre a dimensão metafórica podemos dizer que ao começar qualquer coisa, seja um caderno novo, um projeto novo, um ano novo, fazemos as conhecidas promessas, resoluções. Mesmo que o ímpeto inicial seja esmaecido no decorrer do trajeto, o que realmente importa é a renovação da força de vontade, da esperança, da nossa capacidade de realização. Esses são os aspectos fundamentais para conseguirmos algo. Ao iniciar esse novo ano, resolvi compartilhar com vocês, meus amigos, esse texto, que sempre me emociona e me inspira a renovar minhas forças e meus sonhos, e esses meus pensamentos.

Espero que todos nós tenhamos um ano cheio de desafios, de conquistas e de novos começos. Façamos da nossa vida um caderno novo, onde iremos escrever nossas realizações.

Dúvida, questão, crise? Espero que ao começar o seu caderno novo você não o escolha só pela capa, mas que reconheça nele uma possibilidade de renovar as suas esperanças e ímpetos de mudança e de renovação, lembrando que a renovação sempre abrange permanências de práticas, de sensações e de traços identitários. Além disso, mesmo que não seja por sentido pessoal, pense duas vezes antes de jogar fora os seus cadernos escolares, pois os pesquisadores da área de História da Educação realmente sofrem muito para conseguir essas ricas fontes documentais.

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Rachel Duarte Abdala é professora de Teoria da História na Universidade de Taubaté

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