Está escrito errado? A ortografia dos textos antigos.

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Falamos semana passada sobre a Paleografia, ciência que estuda a escrita antiga, e a as dificuldades que encontramos ao ler um manuscrito. Mas outra dificuldade que deparamos quando lemos um documento antigo é a ortografia. Em muitos casos, conseguimos ler o que está escrito, mas não temos certeza disto, já que a palavra está escrita de uma forma que hoje consideramos errada, por exemplo: casa – “caza”, mãe – “may”, cinco – “sinco”, igreja – “igreia”, precioso – “presiozo”, e muitas outras. Para que não fiquemos na dúvida, em vários momentos precisamos deixar de lado a norma culta da língua aprendida na escola, homogeneizada, uniformizada em todo o país e ficarmos atentos as diferentes formas de se escrever uma única palavra.

A língua falada no Brasil até o século XVIII, englobava o português europeu que era falado pelos colonos brancos e seus descendentes; uma adaptação do português chamada de crioulo ou semicrioulo que era falada pela pessoas de origem indígena, africana e mestiça; a “língua geral”, de origem tupi, que era uma língua de comunicação usada pelos brancos e mestiços para se relacionarem com o gentio, e alguns falares africanos usado nos quilombos ou entre os negros recém-chegados, que não sabiam falar o português.

Detalhe do inventário de Miguel Fernandes Edra. Acervo DMPAH

Somente no início do século XVIII, as coisas começaram a mudar. Os brasileiros queriam se sentir mais próximos da metrópole e tinham vergonha da linguagem brasileira, pois como afirma Vitral (2001, p.312 Apud COSTA, 2007, p. 92) as línguas gerais eram associadas à barbárie enquanto que a língua portuguesa era vista como a língua da civilização”. Ainda no século XVIII, Marques de Pombal, implantou diversas reformas na colônia. Uma delas foi ao ensino, em que proibia o uso da “língua geral”, que segundo Renata Ferreira Costa (2007, p.93) “foi pouco a pouco caindo em desuso, até limitar-se ás povoações do interior”. No mesmo século Marques de Pombal expulsou os jesuítas que eram responsáveis pela educação na colônia e com a chegada de muitos portugueses, vai consolidar ainda mais o uso da língua portuguesa. Rosa Virgínia Mattos e Silva afirma que “em 1757, com Marquês de Pombal, se define explicitamente para o Brasil uma política linguística e cultural que fez mudar de rumo a trajetória que poderia ter levado o Brasil a ser uma nação de língua majoritariamente indígena”. (MATTOS e SILVA, 2004, p.20).

Na Capitania de São Paulo foi um pouco diferente já que ficavam um pouco isolados das colônias nordestinas. Não havia tanta influencia da Metrópole na língua falada e nos costumes. A presença do escravo indígena era muito alta, mais do que do escravo negro, (em Taubaté só teremos registros em 1669), e como a maior parte da população masculina estava constantemente no sertão e a educação ficava com as mulheres na casa, “na rigorosa reclusão caseira, entre mulheres e serviçais, uns e outros igualmente ignorantes do idioma adventício, era o da terra que teria de constituir para elas o meio natural e mais ordinário de comunicação.” HOLANDA, 1976, p.89 apud COSTA, 2007, p.93) .

Embora língua dominante na Capitania se São Paulo era o tupi, a língua portuguesa também era usada no espaço público e utilizada nos documentos escritos. Esta mistura  do tupi e da língua potuguesa, particularmente na Capitania de São Paulo, vai se chamada de Língua Geral do Sul ou Língua Geral Paulista. Como salienta Rodrigues:

(…) a língua que no século XVII falavam os bandeirantes que, de São Paulo, saíram a explorar Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e o Sul do Brasil. Por ser a língua desses pioneiros e aventureiros, penetrou essa Língua Geral em diversas áreas aonde nunca tinham chegado índios Tupi-Guarani e aí deixou sua marca no vocabulário popular e na toponímia. (RODRIGUES 1986, p. 102 apud COSTA, 2007, p. 94)

No que se refere a ortografia, ela nunca foi uniforme, havia uma tendência fonética e mais tarde a necessidade de conhecimento do latim, o que levou muitas palavras a terem influência etimológica. A ortografia portuguesa passou por alguns períodos em que ora era a fonética que era ressaltada (conhecido como português arcaico séc. XII-XVI), ora a parte etimológica (séc. XVI até 1904). No século XVIII, quando Marques de Pombal ampliou o acesso ao ensino, houve uma periodização da ortografia, existiram vários estudiosos que ditavam regras de como escrever corretamente, embora ficassem sempre divididos entre o costume ortográfico e a etimologia. Em 1904, foi publicado a obra de Gonçalves Viana Ortografia Nacional unificando a forma escrita da Língua Portuguesa.

Bloco de documentos do Arquivo Municipal Dr. Felix Guisard Filho.

A Língua  e a escrita estão em constante mudança, recebendo influência do meio onde são utilizadas. Quando nos deparamos com palavras com “pharmacia” ou “telephone”, logo nos remetemos a tempo passados, mas hoje nos deparamos também com “vc” ou “tbm” que é a forma corrente utilizada na linguagem virtual, nos mostrando que a escrita está sempre em movimento como nossa vida, nossa história.

Referência Bibliográfica

COSTA, Renata Ferreira. Edição semidiplomática de Memória Histórica da Capitania de São Paulo, códice E11571 do Arquivo do Estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo: São Paulo, 2007.

MATTOS e SILVA, Rosa Virginia. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2004

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Amanda Valéria de Oliveira Monteiro é formada em História pela Universidade de Taubaté. Mestranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Trabalha no Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho com documentos datados a partir do Século XVII.

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