Fontes pra que te quero!!!

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A relação entre os historiadores e as fontes documentais, mais especificamente as que se encontram em arquivos, não foi sempre a mesma, como nos mostram importantes e divulgados trabalhos de Historiografia. Dos que viam nos documentos fontes de verdade, testemunhos neutros do passado, aos que analisam seus discursos, reconhecem seus vieses, desconstroem seu conteúdo, contextualizam suas visões, muito se passou, e como foi dito, pode ser estudado na ampla bibliografia à disposição sobre o assunto, de fácil acesso aos leitores. […] portanto, a discussão historiográfica dará lugar a uma abordagem que centra suas atenções nas fontes documentais, matéria-prima dos historiadores (BACELLAR, 2005, p. 25).

 Como pesquisadora, perturbações e indagações não me saem da cabeça a todo instante. Quando da última postagem, falei sobre o exercício da função de historiador e seus dilemas frente às novas tecnologias, fazendo menção a Sérgio Buarque de Holanda, e quinze dias se passaram e, frente às minhas pesquisas e achados, me deparei com mais um dilema do historiador: as fontes. Dilema esse que merece meu empenho e este texto.

É engraçado quando, a partir de um tema, há uma sede pelo esgotamento de todos os possíveis rastros, achados, fontes e, quando você acha que terminou, novos questionamentos surgem e a partir deles outras buscas. Resumindo, o trabalho do esgotamento das fontes nunca se esgota. Ficou complicado definir isso, não é?

Documento no Arquivo Municipal Dr. Felix Guisard Filho em Taubaté

As fontes… As incríveis fontes, sempre me deixam alucinada e ao mesmo tempo cheia de dúvidas. São como as pegadas, ou pistas que os detetives ou heróis procuram nas telonas. Além da preocupação sobre a veracidade ou não delas, ainda temos os conflitos de espaço, onde elas são armazenadas. Nem todas as fontes estão ao alcance dos historiadores: algumas estão na mão de particulares, outras não foram catalogadas para consulta, umas foram apagadas em alguns períodos da história, outras chegaram até nós por relatos, como a história do continente africano. As fontes que podemos consultar são como ouro, ou como poderia melhor definir são verdadeiros monumentos aos nossos olhos, remetendo ao texto Documento Monumento do historiador francês Jacques Le Goff.

Faço do documento minha arma, não no sentido literal da palavra, mas como meu suporte, meu apoio na escrita da história. As fontes são os pilares que sustentam o trabalho do historiador. Com isso, remetendo a École des Annales, especificamente a Fernand Braudel, considero muito próximo o conceito de Longa Duração ao trabalho com as fontes, pois há muitos fatores que incidem nelas, como a “construção” do processo, a mentalidade da produção do documento, a questão social, do espaço e tempo.

Quando realizando pesquisas com relação à colonização da América Portuguesa, verifiquei com quão falta de fontes lidamos. É como, citando um dito popular, “procurar agulha no palheiro”. E lá se vão nossa subjetividade e flexibilidade na leitura do material que dispomos.

Como exemplo, gostaria de citar, que nós pesquisadores do Vale do Paraíba buscamos contribuir para a história regional, que é tão rica, mas pouco estudada, e que quando realizamos nossas pesquisas tentamos montar as peças do quebra-cabeça, que nos levam a dimensões muito maiores e por ruas sem saída.

  Assim como meu objeto, me sinto uma viajante, no tempo e no espaço também, pois as fontes que muitas vezes necessito não estão organizadas em um só local, elas estão em diversos arquivos, em livros e até por vezes fora do país. Por isso gosto sempre de lembrar o texto Uso e mau uso dos arquivos do historiador Carlos Bacellar, que enfatiza a dificuldade e a obrigação do historiador em reunir todas elas.

Perda de documentos durante a demolição da antiga Casa da Lavoura de Taubaté, em 2012.

Muita documentação, no entanto, permanece nas mãos de famílias ou de empresas (ou acaba destruída por herdeiros desinteressados). Cabe ao historiador investigar e localizar onde estão preservados, sob a guarda de quem, e buscar contatos para tentar ter acesso a esses acervos tão preciosos (BACELLAR, 2005, p. 43).

             Acredito que além da fascinação pela história o que move o historiador e a busca incessante pelas fontes. Elas atestam e valem nossa procura. E mesmo ao terminar uma pesquisa, e iniciar outra, tudo volta: dúvidas, coincidências, analogias, descobertas e mais e mais dilemas. Poderíamos ter uma explicação do trabalho com as fontes a partir do conceito de longa duração?

Bibliografia:

BACELLAR, Carlos A.P. Uso e Mau uso dos arquivos In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005. pp.23-79.

BRAUDELFernand. “História e Ciências Sociais. A longa duração”. In: Escritos sobre a História. 2ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 2.º Vol. Memória. Lisboa: Edições 70, 2000.

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Giovanna Louise Nunes é graduada pela Universidade de Taubaté, Mestranda em História Social pela Universidade de São Paulo. E professora na Rede Estadual em Taubaté.

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