Lendas, histórias e pioneirismo

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Por Emílio Amadei Beringhs

 

Setembro de 1966

Lembramo-nos de escrever algumas notas sôbre lendas, fábulas, estórias e pioneirismo taubateanos, porque, há bem poucos dias, éramos solicitados a fornecer dados sôbre a fabulosa lenda da Bica do Bugre, que, ali, ao lado do Mercado Municipal, vem abastecendo do precioso líquido os que gostam de uma água pura.
No entanto, parece-nos, aquela água já não contém mais aquêle teor de pureza dos tempos antigos, poluída que foi, face às novas construções que se ergueram ao redor da nascente.
Taubaté, como já temos dito algumas vêzes, não possui, pelo menos que se saiba, lendas que valham a pena ser contadas. O que havia de interessante foi, por isso mesmo, contado por metáforas pelo extraordinário gênio de Monteiro Lobato.

Bica do Bugre

Entre as que mais foram comentadas, atingindo êste meio século XX, nós encontramos a estória da Paineira do Bom Jesus, a da Santa Cruz do Prêto Firmino (no Largo do Convento), uma outra paineira na Praça Dr. Monteiro, que crescera à entrada do antigo cemitério existente na Rua 4 de Março, a da Vila Costa, onde duas jovens foram trucidadas e uma ou outra mais ou menos banais.

Destacando-se dentre elas, a lenda da Bica do Bugre tem um certo sabor de passionalismo, dadas as circunstâncias que envolveram os personagens a ela ligados, que perpetuaram a fabulosa fonte, até hoje conservada pela Prefeitura Municipal, já agora com ares de chafariz.
Já no que concerne ao pioneirismo dos taubateanos, muitos são os fatos que justificam essa qualidade inata de nossa gente. Nos fins do século XIX, como já foi contado amplamente, existiu em Taubaté uma firma que se propôs instalar um serviço de bondes, puxados a burros. Durou alguns anos essa esquisita emprêsa e todos nós poderemos facilmente calcular o vulto do empreendimento, para a época em que foi lançado, se soubermos que os trilhos iam da estação da Central ao Largo do Mercado, com derivações até o Colégio N. Sª do Bom Conselho.

Bonde de tração animal percorrendo a Rua Conselheiro Antônio Moreira de Barros, a Rua das Palmeiras.

Desaparecido o bonde a burro, de Taubaté, outras cidades receberam mais tarde êsse meio de transporte, já aí um pouco mais avançado, por isso que eram os carros movidos a eletricidade. Tivemos várias cidades que se orgulhavam dos seus sistemas de transporte elétrico: Campinas, Aparecida, Sorocaba, Guaratinguetá, Araraquara e outras, além da Capital e Santos. Mas, ao tempo em que tais linhas eram instaladas, Taubaté dava um passo à frente, experimentando outro sistema, mais prático e mais moderno: a “jardineira”, que surgiu na segunda década do século. Hoje, como se sabe, os ônibus e os troleybus modernos, substituíram as linhas de bondes. Tanto Guaratinguetá, como Aparecida, aqui mesmo, perto de nós, como São Paulo, vão se desfazendo gradativamente dessa espécie de meio de transporte.

As jardineiras de Taubaté têm uma das mais edificantes histórias. Idealizadas pelos Irmãos Tinoco, cobravam vinte centavos (duzentos réis) e percorriam grande número de vias públicas da cidade. Pretendemos fazer uma pesquisa e contar melhor êsse acontecimento.

Jardineira estacionada nas imediações da Praça Dom Epaminondas

‘Com o bondinho de Tremembé, aquela estrada de ferro de bitola super estreita, que utilizava máquina com chaminé de bôca larga, caldeira aquecida a lenha e que, resfolegando, descia pelo campo da Juta, em demanda da Capela do Bom Jesus, as iniciativas taubateanas, em matéria de transportes, sempre constituíram autêntico pioneirismo.
A Cia. Taubaté Industrial mantinha naquele tempo afastado, uma linha de decauville, com sessenta centímetros de largura entre trilhos, que corria pela Praça da Estrêla (hoje Félix Guisard), alimentando os transportes de suas fábricas que ficam ainda hoje isoladas entre si.
Tais são os fatos que tornaram nossa cidade notável entre as demais do Interior.
Ainda agora o nosso prezado amigo, Dr. Lauro de Almeida, nos prometeu uma fotografia, que recebeu de um amigo, e que retrata, nada mais, nada menos, que a Rua das Palmeiras, com seus trilhos. Raros são os documentos dessa natureza, ainda existentes. Por certo haverá famílias locais que possuem, em seus guardados, fotografias que nos dariam uma visão melhor de uma etapa da vida taubateana. Possuímos algumas de 1904 e já vimos outras, da metade do século passado.

Muitos podem presumir que jamais existiu a linha de bondes puxados a burro, em Taubaté. Nada mais injusto. Existiu e funcionou por muito tempo.
Dessa época extraordinária, em que os homens buscavam atividades que hoje poderiam ser consideradas verdadeiras loucuras, resta uma imensa saudade. Os homens, os fatos, as iniciativas, tudo isso deixou um legado imorredouro para esta gleba que Jacques Félix inaugurou, por volta de 1636: o espírito pioneiro de um povo que sabe o que quer e sabe também lutar pelo que quer.

[box style=’info’] Emílio Amadei Beringhs
emilioDesde menino foi funcionário da CTI.

Atuou por mais de 50 anos no jornalismo taubateano, descreveu com maestria o cotidiano taubateano. Integrou o Instituto Geográfico de São Paulo. Foi um dos pioneiros do rádio amadorismo no Vale.
Na radiodifusão convencional, foi responsável, junto com Alberto Guisard, pela pioneira Rádio Bandeirantes.
Em 1941, foi co-fundador da Rádio Difusora de Taubaté. Foi sócio fundador do Aero-Clube de Taubaté.
Em 1967, escreve o primeiro volume do obrigatório livro Conversando com a Saudade, descrito por muitos como pedaços da alma de Taubaté. É, também, de sua autoria, a bandeira de Taubaté[/box]

 

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